segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Seu azeite pinga, derrama ou você nem gosta de azeite?

Em alguma medida, já sabia que quase tudo que as pessoas fazem - a forma como agem sem pensar, suas escolhas mais banais (suco ou coca?) - dizem algo sobre elas mesmas. Mas, dia desses, me surpreendi com a capacidade reveladora de uma lata de azeite.
Era um domingo bem ensolarado, às vésperas do aniversário de 83 anos da minha avó, quando, como é de costume, nos reunimos para mais um almoço em família. É incrível constatar como cada um realmente desempenha uma espécie de papel já determinado, como se todos fossem primorosamente conduzidos por um excelente diretor de atores. Antes que todos se acomodassem à mesa já se falava da lata de azeite. Pra quê esses furinhos tão apertados, se a lata tem um dispositivo abre-e-fecha. E esse pires todo quebrado da época do seu avô?
Começa o balé de braços, que se cruzam a fim de que todos alcancem as tigelas. Já servidos, é hora de temperar a salada. E a lata de azeite rouba a cena. Tem logo alguém que abre a denúncia. Essa lata não tem mais nada! Vamos abrir uma nova? Me dá, passa aqui! Claro que tem azeite, é só esperar pingar. Credo, esperar pingar não dá! Não sai nada! Ah, isso é ansiedade. Você é muito ansioso! Que nada, eu gosto de azeite de verdade. Ih, esse furinho é para economizar, alguém sussurra. Cara, mais paciência. Eu sou tranqüila, mas não mexe comigo não, que eu cresço. Espera o azeite pingar. Vai pingar. Mas eu quero que derrame. Gosto de arroz nadando no azeite. Azeite é bom, mas muito faz mal para a saúde. Então, traz um vidro de azeite do bom, com a boca bem larga (...).
De repente, percebo que todos estão, na verdade, falando de si através da lata de azeite. O encaixe das reclamações, das defesas, dos conselhos, das preocupações, das frustrações, dos jeitos confirma que estamos em um almoço de domingo. A família está reunida. E todos, de um modo mais, ou menos, tácito esperam de cada um determinada reação. Estes vetores posicionam as pessoas em seus lugares, o que sustenta uma saudável estabilidade dentro dessa instabilidade louca que é a vida de cada um.
E talvez família seja mesmo isso. Esse lugar que nos garante ter para onde voltar. Você vai, vai, vai, vai e volta. É domingo. O almoço tá na mesa, e ainda não trouxeram o vidro de azeite do bom; é o da lata mesmo (o velho Gallo) com os furos apertados e o pires de acrílico quase desmantelado. Embora seja quase impossível ser o mesmo a cada dia, a sensação de voltar é ótima. E (re)conhecer é coisa de família.
A propósito, eu prefiro que o azeite derrame.

AGOSTO/2009

Um comentário:

  1. Oi Nathalia,adorei.
    Leonardo Boff, ex frei e escritor, em seu livro sobre sacramentos fala da velha caneca do seu pai. Este objeto se tornou um sacramental, pois trazia para toda a famíla a presença do pai querido. São essas pequenas coisas rotineiras que dão sentido a nossa vida, e como você mesma diz, nos ajudam a ocupar os nossas lugares nesse teatro lindo e maravilhoso que é a vida.
    Eu prefiro ver o azeite pingando sobre a comida lentamente, pois faz parte do ritual do ato de comer.
    Um beijo Cris

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